Sem dúvida, o mercado religioso é o mais concorrido e agressivo. Aliás, acho que é o único mercado, até agora na história deste planeta, que chegou ao ponto de admitir a eliminação física dos vendedores e consumidores de produtos concorrentes. Haja vista as caças a bruxas, inquisições, guerras santas, e outras práticas.
Agora, o mercado se arma contra o mais novo produto concorrente: o inocente chá de mato que emerge no horizonte oeste. E os que se acham ameaçados por ele -- uma vez que ameaça diminuir as hostes de seus adeptos fiéis e mantenedores servis --, o acusam de todos os males, desde disposições demoníacas, até dependências e efeitos semelhantes às drogas que sustentam a economia brasileira (e, consequentemente, o Estado Brasileiro, com seus podres poderes), quiçá mundial, a saber, maconha, cocaína, heroína e ópio.
Não sou ayahuasqueiro, não integro nenhuma dessas seitas, mas já bebi o chá. Bebi na UDV, bebi no Santo Daime, e bebi por conta própria, preparado por mim mesmo, já que conheço as plantas envolvidas e sei onde encontrá-las. Conheço o chá há cerca de dez anos; faz tempo que não bebo, e, em todo esse tempo, se o bebi dez vezes foram muitas. Por isso, divirto-me com a argumentação espalhada na mídia. Não bebo o chá há tempos porque é muito ruim. Querem ter uma idéia? Talvez os da minha idade, egressos do meio rural ou pequenas cidades, lembrem de nossos maiores pesadelos infantis: as cruéis mãos de nossas mãezinhas empurrando colheradas de tussaveto ou óleo de fígado de bacalhau. Multiplique esse terror por dois ou três, e teremos o gosto horrível da ayahuasca. Vencida a agressão ao paladar, começa o desagradável peso no estômago, que, até o final do ritual, certamente levará o usuário ao vômito ou à diarréia.
Então, por que bebem? Por que se dissemina o culto? Simples: para "encontrar Deus". As pessoas fazem de tudo para encontrar Deus. O pessoal do opus dei não se chicoteia até o sangramento? E os jejuns? E os homens-bomba? E afinal, o Mel Gibson já não mostrou em cores vivas o que Deus exigiu de seu próprio filho unigênito, para conceder-lhe a honra de sentar-se ao seu lado? Ora, perto disso tudo, a ingestão de uma bebida amarga se torna mel prá zangão.
Podem deixar livre; nem de longe vai atrair a molecada como as drogas oficiosas. Só passa da primeira tentativa os que realmente querem "encontrar Deus" (ou as equivalentes expansões espirituais). E, a despeito dos despeitados jurarem de pezinho, não cria dependência. Inúmeros são os que abandonam a seita e não sentem a menor crise de abstinência. Eu mesmo, se gerasse dependência, estaria viciado. No entanto, tenho ainda um estoque na geladeira, restos dos últimos preparos, aguardando o esquecimento do paladar e alguma motivação para o consumo. É possível imaginar alguém guardando um tantinho de cocaína no armário e dizendo: "deixa aí, prá se um dia der vontade"?
E a hipocrisia do "pode beber, mas não pode comercializar"?
Pois aí é o nó da questão!
Não se comercializam livros doutrinários, aguinhas do rio jordão, medalhinhas bentas e outras miçangas sagradas, para aqueles que precisam delas para encontrar Deus, já que não sabem que basta um simples: "olá, Jeová, tudo bem"?
E, essas coisinhas todas têm custo. O chá também: é preciso cuidar dos pés de mariri e de chacronas, colher, preparar à custa de lenha ou gás em panelas e caldeirões, transportar, distribuir, pagar aluguel, luz e água dos templos, e tudo o mais...
Oras... oras...
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