sexta-feira, 1 de abril de 2011

LILIPUTIEDADES

Conheço um país que se julga uma democracia porque possui três poderes.
Assim como uma área aqui perto que se julga uma floresta porque tem três esquilos;
e um vizinho mais adiante que se julga um agro-negociante porque tem três porquinhos.
Os três poderes são: o poder eleito; o poder corporativo; e o poder sacerdotal.
O poder corporativo é o mais forte; realmente, um poder; últimas instâncias de qualquer suplicação individual ou coletiva. E, dentro dele, as corporações mais poderosas são a dos defensores regulamentados -- única alternativa imposta aos que suplicam ao poder sacerdotal --, e a dos noticiadores e comentadores regulamentados -- porta-vozes e mediadores das vontades populares de expressão. Todos estes, devidamente formatados no ensino oficial, e registradinhos em suas ordens, associações e sindicatos. A dos defensores regulamentados ganhou assento -- e acento -- até num texto confuso e prolixo que o tal país chama de constituição. A dos noticiadores não tem tal assento -- nem acento -- mas mete medo. Os membros do poder eleito e do poder sacerdotal são, usualmente, altaneiros e arrogantes com o populacho e até entre si. Mas, quando um membro da corporação dos noticiadores entra pela porta, qualquer membro dos outros poderes salta pela janela. Todos têm medo da imagem que podem projetar sobre filhos, parentes, vizinhos, ou para a posteridade. Além dessas duas, existem as corporações dos diagnosticadores e curadores, dos construtores, dos guerreiros, e outras. Todas juntas talvez consigam poder equivalente àquelas duas.
O poder sacerdotal é composto dos julgadores e dos provocadores de justiça. O que o faz sacerdotal é a total independência em relação aos cidadãos mantenedores -- e quem é mantenedor compulsório é, na verdade, um servo. Seus quadros são completados -- para não dizer locupletados -- por eles mesmos, pelos mais antigos, em concursos internamente preparados; e as chefias em listas sêxtuplas, que se tornam tríplices, e acabam unas; assim como a fixação de seus vencimentos. Nesse tal país ninguém nota que todo salário fixado arbitraria e autoritariamente pelo próprio servidor torna-se uma extorsão. Outra característica da sacerdotalidade é a forma mística e sacralizada com que exigem serem tratados, prenhe de deferências e palavras terminadas em íssimo. Devem ser tratados da mesma forma temerosa e respeitosa que, instruem os delegados, deve o pobre cidadão mantenedor tratar o marginal que lhe aponta a arma na hora do assalto. Vejam vocês, o poder de ingerência é tanto que um educador, doutrinado por Rousseau, Pestalozzi, e tantos outros, no momento de subsidiar a formação de um educando, deve pedir autorização para um julgador que nunca leu Freud ou Piaget. Um diagnosticador-curador, para sua própria sobrevivência, deve dar mais atenção aos formulários e prontuários exigidos por um provocador de justiça, do que ao pobre paciente. Quem manda pertencerem a corporações mais fracas.
Finalmente, o poder eleito; sempre relacionado em primeiro lugar mas que possui menos poder dentre os três. Talvez até possa ser chamado de poder otário. Sua vertente executiva é constantemente achincalhada pelo poder corporativo e acuada pelo poder sacerdotal, tendo, não obstante, que trabalhar servilmente para sustentar a ambos. Sua vertente legislativa vive pressionada entre as ameaças e gritos do poder corporativo -- que exige essas ou aquelas leis em seu benefício --, e as ingerências do poder sacerdotal -- que lhes cancelam as leis, ou decidem sua aplicação e seu âmbito, deformando-as com um aferidor fajuto de constitucionalidade.
O povo desse tal país, coitado, sustenta tudo isso com seu suado trabalho diuturno e não tem poder nenhum; pois o seu mísero poder é eleger o poder eleito, dentro das regras e interpretações impostas pelo poder sacerdotal, que também possui o poder de recompor o quadro dos supostamente eleitos, baseados em fichas sujas ou limpas que eles mesmos preencheram adredemente. Além de, esse tal povo, ir à eleição sob uma massacrante manipulação orweliana -- para não dizer goebelsiana -- por parte do poder corporativo, especificamente a corporação dos noticiadores e comentadores.

Well, ainda bem que esse país não é o nosso. E que ninguém leva a sério o que eu escrevo. Afinal, hoje é primeiro de abril.

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