Tanto se fala em "analfabetismo funcional" nas críticas à educação. Tudo bem, não está errado. Mas, hoje em dia, o verdadeiro "analfabeto funcional", de qualquer nacionalidade, é aquele que não domina a língua inglesa. Isto veio, claro, no pacote da hegemonia anglo-saxã. Durante muito tempo a Inglaterra dominou os mares, o que fez sua língua ir se impondo como o código comercial por excelência; apesar de, por vários séculos, o francês permanecer como a língua da diplomacia e da nobresa. Com o declínio das antigas potências européias no início do século XX e a bipolarização do poder entre USA e URSS, seguida da estonteante vitória do primeiro ao final do século, o inglês sobrepôs-se à multipolarização do século XXI, principalmente na infovia (a via que tende a substituir todas as vias).
A guinada do inglês para o francês como língua universal talvez se tenha efetivado na Conferência de Paz que seguiu-se à Primeira Grande Guerra, a guerra que iria acabar com todas as guerras (e a Conferência que pretendia criar a paz permanente, mas que apenas adiou a hecatombe por mais vinte anos). Pelo menos é o que se depreende da leitura de um trecho do livro "Paz em Paris - 1919", da historiadora Margaret MacMillan, bisneta de Lloyd George:
"Depois de muita briga, ficou decidido que o francês e o inglês seriam as línguas oficiais para os documentos. Os franceses queriam só a sua língua, argumentando abertamente que era mais precisa e, ao mesmo tempo, tinha mais nuances que o inglês, mas na realidade não desejavam admitir que a França perdia posição entre as grandes potências. O francês, diziam eles, vinha sendo, por séculos, o idioma das comunicações internacionais e da diplomacia. Os ingleses e americanos ressaltavam que sua língua aos poucos suplantava o francês. Lloyd George revelou que sempre se arrependeu de não saber francês um pouco mais (quase não sabia nada), mas que, para ele, era absurdo que o inglês falado por mais de 170 milhões de pessoas não tivesse status idêntico ao francês. Os italianos declararam então que, nesse caso, por que não também o italiano? "Senão", disse o ministro do exterior Sonnino, "a Itália parecerá tratada como inferior, quando se exclui seu idioma". Sendo assim, disse Lloyd George, por que não também o japonês? Os delegados japoneses, que davam sinal de mal acompanhar o debate em francês ou inglês, permaneceram calados. Clemenceau cedeu, para consternação de muitos de seus próprios auxiliares".
E cedeu para sempre. Dia desses anunciaram o fechamento da biblioteca francesa em São Paulo.
Nem é preciso explicar a ausência do alemão e do russo no diálogo, uma vez que, nessa data aí, essas duas potências estavam dilaceradas, uma pela derrota, outra pela revolução.
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