sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

CHARLIE, FRANCISCO, LEONARDO E A CULPA DAS VÍTIMAS.



Pode criticar a fé, sim! Pode fazer charge, sim! Quem acredita que não pode, que é um grave pecado, que não faça. Mas não se julgue no direito de matar quem o faz. O suposto direito dos monoteístas disporem da vida dos outros -- direito que julgaram um dia possuir -- foi devidamente enviado para a fossa da história. Se uma pessoa xinga a outra de "filho da puta" -- como propôs o bom papa -- a outra não tem o direito de desferir-lhe um soco, não! Na civilização -- e, para que a civilização possa existir -- o ofendido denuncia, processa, faz uma queixa formal à polícia, enfim, age pelos meios legais. Nunca pela violência!
Agora, a coisa fica pior ainda quando o ofendido já estuprou ou queimou na fogueira a mãe e as irmãs do ofensor. Não foi mais ou menos isto que aconteceu na história? Ou esses cândidos anjos que agora reclamam com voz melosa que não se pode ofender sua fé a levaram pacificamente para os quatro cantos do mundo? Levaram pela violência. Os cristãos exterminaram tribos inteiras, destruíram famílias, templos, ídolos, objetos sagrados de outros grupos apenas por causa de religião. Vá numa locadora remanescente ou compre pela internet o filme "Alexandria" (em Portugal e Espanha: "Agora") e veja os métodos cristãos para impor a "mensagem de amor" do humilde carpinteiro ao mundo grego antigo. Leia sobre a conquista dos povos pré-colombianos e sua submissão à fé que agora os líderes dessas religiões defendem tão enternecidos. E os muçulmanos não ficaram atrás. Fizeram dessas e piores nas regiões por onde se expandiram. Com sátira e tudo. Quando eles tomaram Jerusalém, escreveram no famoso Templo, que já fora judaico e, então, era ocupado pelos cristãos: "Bem louco é quem acredita que Deus saiu do meio das pernas de uma mulher". Agora, querem justificar crimes covardes porque desenham seu profeta? Charlie Hebdo ou quem o quiser tem o direito de satirizar a religião, sim! Mesmo satirizando, ainda estarão bem mais próximos da suposta mensagem de amor que tais religiosos alegam conduzir (e, portanto, mais próximos de Deus, se ele existir), pois agem pelo humor, não pela violência como fizeram na história. Dificilmente se encontra religião limpa. Mesmo os budistas, que foram hostilizados e extintos em muitos lugares pelos muçulmanos (lembram o episódio da explosão dos Budas nas montanhas do Afeganistão?) também não conseguiriam expandir-se apenas com a meditação desde a India até o Japão. Consultem suas histórias e lendas: quem resistiu, ou pensou diferente, foi transformado em demônio e lançado no abismo.
E os religiosos continuam agindo assim. Há pouco tempo vimos um apresentador de televisão acusando os ateus pela criminalidade existente no Brasil e propondo acabar com "essa gente".
Então, caros amigos, nobre papa e brilhante Frei Boff, deixemos às vítimas da sanha monoteísta por invadir corpos e mentes dos outros, ao menos, o direito de fazerem humor com aqueles que ameaçaram e continuam ameaçando a liberdade de pensamento!

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

TRAGÉDIAS!...


Estamos chocados com o massacre do Charlie Hebdo. Afinal, pessoas violentas e armadas, por pura vontade própria, entrarem na pacífica redação de um jornal e matarem 12 pessoas é um acontecimento para chocar-nos a todos. Eu, como todos nós, também “sou Charlie” nesta hora.
Mas tem outra coisa que me assusta: é nossa apatia (ou, ao menos, nossa reação bem menor) a outros massacres semelhantes com os quais convivemos todos os dias. A violência, no Brasil -- somando-se a provocada pelos criminosos com a provocada pelos motoristas --, produz um massacre desses por hora. Doze vidas são ceifadas pela violência em nosso país todas as horas, de todos os dias do ano. Desde o exato momento em que os dois irmãos enlouquecidos provocaram a terrível tragédia na redação do Charlie Hebdo, até o momento em que escrevo este tópico, tivemos, no Brasil, 48 massacres iguais àquele. O razoável número de 576 pessoas, das mais variadas profissões, que estavam pacificamente em suas casas ou locais de trabalho, que se dirigiam ordeiramente ao trabalho, ao estudo ou às compras, tiveram suas vidas interrompidas violentamente neste curto período em que permaneci na internet ou em frente à televisão, acompanhando estarrecido o massacre de Paris. E ficamos chocados? Ficaram chocados seus familiares, parentes e amigos. Providenciaram os traslados, os féretros, velaram entristecidos seus corpos e, deles se despediram na sepultura. Pais assombrados, esposos solitários e filhos órfãos olharam à sua volta sem entenderem porque apenas eles – e não o mundo – estavam chocados com o ocorrido. Talvez tenham tido a oportunidade, durante o luto, de lançarem um olhar apático em direção à mídia que repercutia os acontecimentos de Paris, retribuindo assim a indiferença com que o mundo olhava sua dor.
Será que nossa capacidade de indignação e de choque está anestesiada pela rotina e só se manifesta com ingredientes novos e exóticos, assim como as papilas gustativas se anestesiam com uma refeição repetida, necessitando de novos temperos para despertar nosso interesse? Será que a intensidade de nossa tragédia é tão grande que estressou nossos sentimentos e nos socorremos no espanto da tragédia alheia na esperança de não perdê-los por completo?