terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

O BAILE DAS LOUCAS

 

    Para quem ainda não leu o livro "O Baile das Loucas", de Victoria Mas, eu recomendo.  O filme ainda não vi; mas pretendo vê-lo em breve.

    A perseguição, prisão e tortura das mulheres tem acompanhado a civilização acentuando-se principalmente nas culturas desenvolvidas sob a crença monoteísta.  Durante muitos séculos foi bastante perigoso ser mulher na Europa; e continua sendo em vasta região que se estende do Norte da África até as fronteiras com o Extremo Oriente.  O romance de estreia desta escritora é ambientado numa época particularmente perigosa: a França do final do Século XIX.   Por que essa época foi perigosa para as mulheres? E por que particularmente na França, tida como berço dos direitos civis e das liberdades modernas? 

    Engana-se quem pensa na França como pátria da liberdade quando se trata da metade feminina da humanidade.  Foi o primeiro país do mundo a instituir o sufrágio masculino mas, o último a transformá-lo em sufrágio universal com a introdução do voto feminino; o que só ocorreu em 1945.  A Revolução Francesa considerou as mulheres como "cidadãos passivos", e entendia que os direitos políticos atrapalhariam as funções de mães e esposas a que estavam destinadas, segundo o pensamento masculino dominante.  E este pensamento resistiu até o Século XX! 

    Se em épocas anteriores (e, em muitos lugares, atuais) o instrumento utilizado pelos insondáveis medos e complexos de inferioridade dos homens para oprimir as mulheres foi o preconceito religioso, na época em que a história do livro se passa conseguiram a aliança do preconceito científico.  Se antes a religião as acusava de bruxaria para prendê-las e torturá-las, no final  do XIX e começo do XX, a medicina, a "academia", reduto vedado ou dificultado às mulheres, as classificavam como histéricas ante qualquer manifestação de inteligência ou questionamento que as desviasse de sua posição subalterna, assim como, em decorrência de manifestações mediúnicas.  E, numa aliança espúria e cruel entre pais, maridos e médicos, muitas vezes contando com a cumplicidade até de outras mulheres, as internavam em sanatórios, sem apelação e amiúde para sempre.
    São conjecturas que me ocorrem após a leitura deste livro  Uma obra ficcional que incorpora elementos da realidade e tem como personagens pessoas da nossa história.  O famoso médico Charcot participa com sua arrogância e seu estrelismo, insensível à sua própria crueldade.  Kardec e Leymarie são também personagens do livro, onde o Espiritismo funciona ao mesmo tempo como causa do internamento e tábua de salvação para que as mulheres envolvidas se percebam como normais, recuperem sua auto-estima e tomem consciência de suas qualidades.
    O livro é publicado pela Verus Editora, traduzido por Carolina Selvatici e se encontra disponível nas livrarias brasileiras ou sites de venda na internet.  A autora, Victoria Mas, é francesa, mestra em literatura contemporânea pela Sorbonne, roteirista de cinema, teatro e televisão, estreia no livro com este romance.
    Um excelente debate foi feito sobre o filme e o livro numa live aqui: https://www.youtube.com/watch?v=BDVhnkQNah0