terça-feira, 13 de setembro de 2016

O POVO FORJ(Ç)ANDO O ESTADO


Perto da minha casa havia um ponto onde o Estado ameaçava a vida. Com sua omissão.
É um lugar onde se encontram perigosamente dois figurões: a Avenida Francisco M Albizu (um sujeito que não sei quem foi e ninguém sabe o que significa o "M" que nunca aparece por extenso) e a Rua Desembargador Manoel de Lacerda Pinto (este, ao menos, já sabemos o que fez na vida). Dada a patente (avenida) o Francisco é preferencial sobre o Manoel.
E aí mora o perigo. Com a construção da tal "Linha Verde" (um empreendimento de pouco custo e muita onda, indicado para ano eleitoral) o trânsito, sem planejamento, desviou-se para a malfadada esquina. Um acidente destruiu o que existia da precária sinalização. E assim ficou. Os que desciam pela Francisco, em vista da largueza e tradição, sentiam-se com a preferência e colhiam os desavisados que vinham pela Manoel. Os acidentes se tornaram comuns. De nada adiantava ligar à prefeitura, puxar o paletó do vereador: a sinalização não era recomposta.
Hoje, o povo do bairro encheu-se. A população reuniu-se pela manhã, na hora de pico de movimento, e interrompeu tudo com a presença e os apitos. Não arredavam pé. Às autoridades sobraram duas opções: ou o filho do Richa enviava a polícia militar, ou o filho do Fruet enviava os sinalizadores. Pois que o Paraná é uma capitania hereditária: todos os postos são ocupados por fidalgos, filhos-de-algo. Enquanto esse algo, for algo bom, tudo bem.
Prevaleceu o bom senso: vieram os sinalizadores. Estão lá, recompondo o sinal e preservando a vida.
As coisas são assim. A demanda provoca os serviços. Um povo que não sabe demandar, tem um Estado podre, onde os ocupantes de cargos públicos (em qualquer dos ditos poderes) se ocupam mais de seus contracheques que de seus afazeres. Quem sabe com união, protesto, exigência, construamos um Estado eficiente.

terça-feira, 1 de março de 2016

A AUTORIDADE, O IRANIANO E O TAPETE.

Foi Santayana, não, quem disse que desconhecer a história leva à repetição de seus erros?
A história e as lendas.
Dizem que certa vez, há vários séculos, o Xá da Pérsia passeava pela sua capital quando avistou ao longe, numa das tendas do comércio, um belo tapete. Enviou um servo de sua comitiva para adquirir a peça.
-Tapete custa 1.000 moedas, disse o comerciante.
-Eu ouvi o senhor oferecendo o tapete por 500 àquele outro comprador, retrucou o servidor.
-Sim, mas agora tapete vale mais; tapete despertou a atenção do grande e poderoso Xá da Pérsia!
O servo não comprou; retornou ao Xá com a história. O Xá amuou-se, mas nem tanto, e enviou o próprio Grão-vizir para resolver o problema. Lá chegando, o Grão-vizir aborda o iraniano.
-Quanto custa, mesmo, o tapete?
-Meu senhor, ilustre Grão-vizir do reino, tapete custa 2.000 moedas!
-Como se atreve?
-Senhor, tapete agregou valor; tapete fez Xá enviar seu servidor mais qualificado em busca do tapete. Tapete tem história!
O Grão-vizir teve vontade de esganar o vendedor. Como não tinha poder de vida ou morte, resolveu devolver o assunto ao Xá. O Xá, bastante intrigado com a ousadia do comerciante, desceu do trono que ocupava sobre a montaria, e dirigiu-se à tenda. Ao vê-lo, o comerciante prostrou-se ao solo como faziam todos em presença do poder.
-Oh, poderoso Xá, Senhor de toda a Pérsia, quanta honra tê-lo em minha humilde tenda!
-Sem marolas, iraniano, quanto custa o tapete?
-Oh, Senhor todo poderoso, em cujos domínios até o sol demora a se por, tenho grande honra de vender o tapete que fez vossa majestade descer de sua glória para falar com pobre iraniano por 4.000 moedas.
Foi demais para o Xá. Exaltou-se. Com a barba tremendo, a mão direita levantada em ameaça contra o comerciante, o pé batendo nervosamente no chão, conseguiu gritar:
-Como ousas? Por quanto queres me vender o tapete?
-Oh, magnânimo... oh, digníssimo... oh, senhor dos senhores, vendo tapete por 8.000 moedas, para senhor ter tapete muito valioso, tapete que conseguiu levantar a soberana ira do poderoso imperador da grande nação persa.
-Chega! gritou o Xá, sacando a espada. -Agora vou executá-lo!
O comerciante pôs-se de joelhos, baixou a cabeça oferecendo resignado o pescoço, e disse:
-Magnífico, excelentíssimo, ilustríssimo soberano, rei dos reis da terra, eu me sujeito humildemente à sua justiça implacável; mas, por favor, manda pagar à família deste pobre iraniano 16.000 moedas pelo tapete. Tapete fez o mais poderoso dos reis matar pobre iraniano, o último dos seus servos.
-É... murmurou o Xá. Acalmou-se, guardou a espada, pegou o tapete e pagou logo os 16.000 antes que lhe chegasse em 100.
Só mesmo o desconhecimento desta história poderia levar um policialzinho do Sheik Al-keimin à pretensão de fazer um iraniano devolver 5.000 reais por um tapete usado vinte dias pelo freguês.