quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A SAGA DOS BRASIGUAIOS

Nos anos 60 e 70 os países do cone sul da América Latina eram dominados por ditaduras irmãs, patrocinadas pelos países do bloco capitalista, que temiam o avanço dos países do bloco socialista. Em virtude dessa rivalidade e a guerra fria entre esses dois blocos, o Papa chamou a atenção para um "terceiro mundo". Em consequencia, um dos blocos passou a ser chamado de "primeiro mundo", e o outro simplesmente "bloco socialista" (a alcunha "segundo mundo" ficou estranhamente desprezada). Pois bem, o pessoal do "primeiro mundo" batia suas panelas nas cabeças dos ditadores patrocinados, exigindo comida, ainda que fosse para o gado. "Tanta terra ociosa e não produzem nada! Trabalhem, mandem-nos soja, senão tiramos a palha!" Assim estimulado o Brasil resolve crescer a taxas que chegaram a impressionantes 14% ao ano, o que exigia muita produção de energia. Como o rio Paraná tinha um enorme declive -- aliás, um só não, sete: eram Sete Quedas --, resolveram represá-lo e movimentar a maior hidrelétrica da época. O problema apresentado com a inundação das terras paraguaias seria facilmente resolvido entre irmãos. - "Eu entro com o dinheiro da obra (afinal, os bancos estrangeiros têm tanto que até emprestam), os engenheiros, operários, e o que mais for preciso; e você entra com as terras; em troca, metade da energia é sua; como você não usa, vende de volta prá mim". - "Bom negocio; só que eu quero produzir soja nas férteis terras da margem direita do Paraná, hoje cobertas por uma densa e selvagem floresta; afinal, eu também tenho o direito de agradar os nossos patrocinadores, como você faz com seu extenso território". - "Então faça!" - "Mas meu povo não sai do chaco, traumatizado com as bandeiras paulistas do século XVIII". - "Bem, eu vou ter que desestimular (eufemismo para "arruinar") um monte de pequenos proprietários de terras, nos meus Estados do Sul, a fim de entregar a área para os grandes produtores de soja, e vai me sobrar um monte de italianos". - "Então manda bastante italiano prá mim, para o lado de cá do rio". - " Tá bom; vai uns alemães e portugueses de quebra". Assim surgiram os "brasiguaios". Essa italianada toda, "convidada" pelos militares paraguaios e "estimulada" pelos militares brasileiros, passaram a Ponte da Amizade (mui amigos), afugentaram as onças e derrubaram a floresta (atitude bastante elogiada em todo o mundo e até heróica, para a época), e transformaram o Paraguai num dos principais exportadores de soja. Os militares paraguaios, matreiramente, para manterem o controle e uma fonte permanente de propinas, enrolaram para dar os títulos definitivos das terras aos italianos; aliás, ítalo-brasileiros; aliás, agora "brasiguaios". Mas, como esse pessoal queria era terra para trabalhar e dar conforto às suas famílias, tudo ficou por isso mesmo, e todos iriam viver felizes para sempre se... a coisa não mudasse. Mudou. O "primeiro mundo" resolveu que agora era bonzinho e humanista, retirou os patrocínios, as ditaduras cairam, e foi instaurada, no cone sul, a... demagogia! Os demagogos paraguaios, como os brasiguaios não votam, voltaram seus olhos gulosos para os votos dos guaranis do chaco -- agora encorajados pela leve melhoria de situação promovida pelos dividendos da exportação da soja --, e convenceram esse povo que os brasiguaios são "invasores", e que suas boas terras, agora domadas e cultivadas, podem lhes pertencer graciosamente; basta invadí-las e expulsá-los (ou, até matá-los, como já fizeram). Os demagogos brasileiros (substitutos, tal como os demagogos paraguaios, dos militares na nova irmandade), fizeram vistas grossas. E os brasiguaios ficaram órfãos. Serão espoliados e expulsos, vindo engrossar nosso contingente de sem-terras e sem-tetos.

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