sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

TRAGÉDIAS!...


Estamos chocados com o massacre do Charlie Hebdo. Afinal, pessoas violentas e armadas, por pura vontade própria, entrarem na pacífica redação de um jornal e matarem 12 pessoas é um acontecimento para chocar-nos a todos. Eu, como todos nós, também “sou Charlie” nesta hora.
Mas tem outra coisa que me assusta: é nossa apatia (ou, ao menos, nossa reação bem menor) a outros massacres semelhantes com os quais convivemos todos os dias. A violência, no Brasil -- somando-se a provocada pelos criminosos com a provocada pelos motoristas --, produz um massacre desses por hora. Doze vidas são ceifadas pela violência em nosso país todas as horas, de todos os dias do ano. Desde o exato momento em que os dois irmãos enlouquecidos provocaram a terrível tragédia na redação do Charlie Hebdo, até o momento em que escrevo este tópico, tivemos, no Brasil, 48 massacres iguais àquele. O razoável número de 576 pessoas, das mais variadas profissões, que estavam pacificamente em suas casas ou locais de trabalho, que se dirigiam ordeiramente ao trabalho, ao estudo ou às compras, tiveram suas vidas interrompidas violentamente neste curto período em que permaneci na internet ou em frente à televisão, acompanhando estarrecido o massacre de Paris. E ficamos chocados? Ficaram chocados seus familiares, parentes e amigos. Providenciaram os traslados, os féretros, velaram entristecidos seus corpos e, deles se despediram na sepultura. Pais assombrados, esposos solitários e filhos órfãos olharam à sua volta sem entenderem porque apenas eles – e não o mundo – estavam chocados com o ocorrido. Talvez tenham tido a oportunidade, durante o luto, de lançarem um olhar apático em direção à mídia que repercutia os acontecimentos de Paris, retribuindo assim a indiferença com que o mundo olhava sua dor.
Será que nossa capacidade de indignação e de choque está anestesiada pela rotina e só se manifesta com ingredientes novos e exóticos, assim como as papilas gustativas se anestesiam com uma refeição repetida, necessitando de novos temperos para despertar nosso interesse? Será que a intensidade de nossa tragédia é tão grande que estressou nossos sentimentos e nos socorremos no espanto da tragédia alheia na esperança de não perdê-los por completo?

Um comentário:

Alex Buss disse...

Posso estar errado, mas acredito que o fato de ter mexido com a mídia fez ela ficar raivosa, talvez um mesmo massacre em algum outro setor da sociedade não causaria tanto furor.